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Mostrando postagens de março, 2017

A filha da esperança.

Dona Valda é aquele tipo de senhora que o tempo parece ter amiudado. Os anos passam e ela fica menor de tamanho. Dizem que um dia, se tivermos a sorte de a velhice nos chegar, isso acometerá a todos nós. Crescer para diminuir. Mas dona Valda tem uma razão além do tempo. Sacolas. Sempre duas. Enormes. Cheias de coisas. Uma em cada mão. Pra lá e pra cá. E um sorriso tão vistoso quanto os cabelos brancos presos por um lápis preto. Dois passinhos, um "olá". Mais dois passinhos, um "oi, meu fi". Outros dois passinhos, um "tudo bom, minha fia?". Mais dois passinhos, um "bom dia, como vai você?". Até dona Valda alcançar quem lhe compre mercadorias. Até as tais sacolas esvaziarem. É sempre começo de mês quando ela entra nas salas e gabinetes de um certo palácio onde não há príncipes, princesas, reis ou rainhas. Entre uma investida e outra, o descanso numa cadeira de corredor. Uma aguinha. E, se alguém a notá-la e oferecer, um cafezinho. Quase nunca...

A escolha.

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O ritual acontece toda noite. A mão mais nova segura a mais velha. Conduz da cadeira de balanço, na sala, por um corredor cheio de quadros até o quarto. Um cômodo à direita decorado com mobília escura da primeira metade do século passado. É sempre depois das 21 horas quando isso acontece. É quando o olho começa a pesar, coisa de 30 minutos após a ingestão do último comprimido do dia. O azulzinho. Aquele que ajuda no sono. Fitoterápico. Aí, as luzes são acesas. E o que acontece em seguida se assemelha a um balé. A senhorinha senta na ponta da cama, abaixa a cabeça, o jovem lhe tira um prendedor preto com coloridos e um laço numa das extremidades, e ela deita. Ele estende a coberta. Seja pelo balanço natural do arremesso ou pela lufada do ventilador, o tecido pousa imitando uma folha caída de uma árvore gigante. E se molda direitinho, como se fosse missionado para isso, ao corpo da senhorinha. Não encerra aí. A mão mais nova agora volta da cozinha, escura que nem os céus de cidad...