tudo tão.

orgulha-se da capacidade de falar dos sentimentos sem melindre. é assim desde a meninice. e tornou-se mais disso após a partida precoce de um amor igualmente precoce. a despedida já tem quatro anos. o orgulho tende a ser imortal.

pelo menos enquanto durar.
ou permitirem durar.

porque durar, permanecer,tem sido cada vez mais difícil. tudo é tão falado - e ao mesmo tempo tão omitido. tudo é tão disfarçado. tudo é tão instantâneo. tudo é tão efêmero. tudo é tão.

(tão que quase sempre é nada)

tão orgulhoso de falar dos sentimentos, ouviu dia desses, numa conversa dentro de um carro parado num estacionamento de universidade, ser hora de parar. foi um ex-amor (à época, ainda amor) quem pediu. dessa vez, um amor nada precoce. porque falar dos sentimentos é criar um problema. ou vários, se preferir. é dar peso às coisas. é deitar uma palavra num canto que não existe. é exigir de quem nem sempre pode ou quer ou tem a oferecer. porque sim: às vezes, não há o que se oferecer.

e é justamente quando não houver oferta que deve haver coragem. coragem para desistir. sim, abdicar é um ato de bravura. é quase como uma solidariedade. saber que não se deve ir adiante é não se trancar. é virar pra dentro de si para ter como olhar para fora de si.

sim, amores morrem. os novos e os velhos. isso de ser eterno tem um tanto de lorota. e ser duradouro não implica em ser para sempre. ainda mais quando se reivindica o direito de exigir do outro que ele seja algo que não é. porque concordar em não falar dos sentimentos a pedido de outra pessoa, só para um faz de conta, é desistir um pouco da própria história. e desistir da própria história é se desmemoriar.

decidiu, portanto, não se desmemoriar. o que significava se desmemoriar de quem lhe pedira isso. sim, há vezes em que é necessário matar o amor. ou vê-lo sofrer de uma séria hemorragia sem ter o menor dos remorsos de não prestar socorro. porque alguns amores precisam morrer.

só assim, com ele mortinho e enterrado, vai-se a algum lugar. encontra-se algum rumo. mesmo que seja para outro amor. e perceber isso foi um tanto doloroso. como uma daquelas pinturas bem tristes expostas em museus bem tristes localizados em bairros bem tristes de cidades bem tristes.

e foi doloroso porque a capacidade de não ter melindres para falar dos sentimentos era também um pouco enterrada com cada um desses amores desvencilhados. um amor morto é uma esperança a menos no mundo. é vários sonhos num desperdício. é uma solidão, mais uma, numa trajetória natural e invariavelmente solitária em quase sua totalidade.

desistiu, então, de quem enxergava nas diferenças um problema. de quem sentia pelas diferenças vergonha. ou medo, que seja. de quem preferia involuir. de quem ainda não descobriu a grandiosidade das palavras (que dirá dos sentimentos). de todos aqueles que achavam ser um erro acabar com o silêncio para falar de felicidades, sonhos, angústias (por que não?), queixa, bicicletas, bolos e outras alegrias.

de quem optava pela incapacidade de amar quando tinha tanto a dar.
(e sabia disso)

queria agora era sol na moleira, travessia de córrego a pé, pé no chão de terra, sombra de cajueiro, companhias boas, fala mansa em poesia, prosa aprumada, tapioca quentinha, café preto, bons escritos, abraços como lugares bons e cantorias para um mundo melhor.

um mundo orgulhoso da capacidade de se falar dos sentimentos.
sem melindres.

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